Folhas de Outono (2023)

O filme segue a trama clássica de encontros e desencontros românticos, mas transcende a ideia do clássico ao transportá-la para um mundo real e cru.
Foto: Divulgação/Internet

O uso da câmera assinando a simplicidade está cada vez mais raro no cinema contemporâneo, pelo menos no que vem ao grande público. O cotidiano e a sua monotonia é uma forma de narrativa que sempre me encanta, utilizar de situações supostamente comuns e trazer um novo olhar para elas é o que faz a arte ser a grande magia da vida. O cineasta filandes Aki Kaurismäk (O homem sem passado, O porto, O outro lado da esperança), nos presenteia com Folhas de Outono, uma obra que mergulha em um universo singular, simultaneamente conectado ao universal, onde a modernidade coexiste com um tempo que permaneceu imóvel em determinados aspectos da vida.

O filme segue a trama clássica de encontros e desencontros românticos, mas transcende a ideia do clássico ao transportá-la para um mundo real e cru. A protagonista, Ansa (Alma Pöysti), uma estoquista de supermercado, e Holappa (Jussi Vatanen), um soldador que compartilha um quarto com colegas de trabalho, vivem vidas marcadas pela solidão e melancolia. O acaso, representado por momentos como aquecer comida com plástico no micro-ondas ou decidir sair à noite com um amigo, converge essas duas almas no karaokê, rompendo a rotina e pavimentando um novo destino para eles. É, essencialmente, um filme romântico clássico, mas com uma abordagem contemporânea.

Foto: Divulgação/Internet

No cinema, pode se dizer que quase todas histórias já foram contadas, mas mesmo assim continuamos vendo novas narrativas surgindo, as histórias podem seguir os mesmos caminhos, as mesmas ideias, mas a forma que as contas é que faz um novo filme surgir, uma nova narrativa a ser criada. Aqui, o formalismo é deliberadamente quebrado para dar lugar à ironia na forma, com a estruturação de um romance clássico, vemos o mundo real surgir nos respiros da câmera. As ruas vazias se tornam palpáveis, transformando o vazio em um personagem essencial na trama. Ansa e Holappa, representantes da classe trabalhadora presa em uma rotina exaustiva, encontram no afeto o elo que transcende o vazio e o caos.

O universo criado ao longo da trama é fascinante, como se fosse aplicado um filtro irreal perante aquelas ruas reais. O potencial visual do filme se destaca, com cores vibrantes que se mesclam à banalidade do cotidiano e personagens distintos e peculiares. Até a ida ao cinema se torna uma aventura divertidíssima de se acompanhar, como a curiosa escolha de um filme de zumbis com Bill Murray e Adam Driver, e os diálogos das pessoas ao sair do cinema, chegando a comparar o Os Mortos Não Morrem com um filme do Godard.

Foto: Divulgação/Internet

Entre os encontros e desencontros dos protagonistas, vamos acompanhando esse amor desenvolver e ser quebrado, a rotina de trabalho e como o trabalhador é colocado à prova a todo momento, os escapismos do álcool perante ao cotidiano massacrante. Pessoas que sobrevivem no mundo contemporâneo e ironicamente parecem viver em outros tempos passados, como o uso da tecnologia, a informação que só é verificada pelo rádio, mesmo estando em 2024. É o isolamento daquelas vidas perante a guerra incessante ao redor. No entanto, ao final, a paixão daquelas duas almas prevalece, dominando os seus dias amargurados em uma aventura clássica, pois, afinal, o amor é clássico, mesmo vivendo entre ironias.

 

Ficha Técnica

Direção: Aki Kaurismäki

Roteiro: Aki Kaurismäki

Elenco: Alma Pöysti, Jussi Vatanen, Martti Suosalo, Alina Tomnikov, Janne Hyytiäinen, Sakari Kuosmanen, Sherwan Haji, Nuppu Koivu, Maria Heiskanen, Paula Oinonen, Simon Al-Bazoon, Eero Ritala, Matti Onnismaa, Lauri Untamo, Anna Karjalainen, Mikko Mykkänen

País: Finlândia, Alemanha

Duração: 81 minutos

Sinopse: Ansa e Holappa são duas almas solitárias cujo encontro casual em um bar enfrenta vários obstáculos.

 

NOTA: 4

Matheus Carniel

Historiador, cineasta e apaixonado pela escrita, sou um aventureiro dedicado às inquietações que apenas a arte pode despertar. Originário de Cravinhos, defendo fervorosamente a interiorização do cinema, acreditando no poder transformador que a sétima arte tem quando acessível a todas os cantos.

Deixe uma resposta