Pobres Criaturas (2023)

Em “Pobres Criaturas”, somos levados a uma fascinante jornada que remete aos contos de fadas, misturando elementos de “O Médico e o Monstro”.
Foto: Reprodução da Internet

Sempre apreciei a maneira como Yorgos Lanthimos (de “O Lagosta”, “Dente Canino” e “A Favorita”) aborda as relações humanas, mergulhando em uma visão que distorce o realismo, mas que ainda assim consegue capturar a essência da crua realidade. Em passados, presentes e futuros distópicos, suas narrativas desafiam nossos papéis na sociedade e exploram tanto os desejos morais quanto os imorais.

Em “Pobres Criaturas”, somos levados a uma fascinante jornada que remete aos contos de fadas, misturando elementos de “O Médico e o Monstro”. Bella Baxter, vivida pela indicada ao Oscar Emma Stone, que apresenta uma das mais brilhantes atuações da sua carreira, é uma mente vazia abrigada em um corpo formado, ansiando por explorar o mundo e suas complexidades humanas. No entanto, seu criador, Dr. Godwin Baxter (Willem Dafoe), tenta mantê-la confinada às paredes de sua residência. Essa barreira é rompida quando cores invadem sua vida, dissipando os tons cinzentos que habitam entre o preto e o branco. A brilhante fotografia de Robbie Ryan, com suas lentes abertas e distorções gráficas, contribui para a construção desse mundo retrofuturista renascentista, que busca tanto construir quanto destruir os conceitos humanos.

Ao lado de Duncan Wedderb (Mark Ruffalo), Bella embarca em uma jornada turística pelos labirintos da natureza humana. Seus desejos finalmente vêm à tona, levando-a a experimentar as virtudes e podridões morais da sociedade misantropa que os rodeia. Lanthimos cria um universo onde cada estranheza reflete o desenvolvimento psicológico de Bella, distorcendo a realidade para revelar o âmago moral que sustenta a existência humana na sociedade. Cada frame deste filme condensa uma vida, gerando um amplo questionamento moral através de um misto de desconforto e comédia.

Foto: Reprodução da Internet

É impossível abordar esta obra brilhante sem mergulhar no grande debate que tem tomado a internet e a nova geração, marcada pelo temor do sexo na arte. Como sabemos, a arte é um espelho das naturezas humanas, e entre elas, o sexo é apenas um dos muitos reflexos. O questionamento da existência nas obras está ganhando cada vez mais voz, desafiando e ampliando uma sociedade que, por vezes, se mostra avessa às relações humanas. Além disso, surge o debate sobre a importância das relações sociais na construção narrativa, mas nada precisa estar a serviço de algo para merecer um lugar na tela. O sexo, assim como um abraço, um beijo, um soco ou até mesmo uma respiração, é uma expressão humana legítima.

Em “Pobres Criaturas”, o sexo não é banalizado em nenhum momento. Ele faz parte do processo de descoberta de Bella em relação aos aspectos carnais e humanos da vida. É algo intrínseco a nós, uma expressão de sua independência em relação às amarras morais, um grito de liberdade diante de uma sociedade moldada pelo clero e pelo capitalismo. Seu corpo torna-se verdadeiramente seu quando ela domina seus desejos, preenchendo a mente outrora vazia com humanidade. Ela compreende a empatia ao enfrentar a desigualdade social em Alexandria, experimenta a raiva ao confrontar o ciúme e descobre o prazer do corpo ao encontrar a liberdade sexual.

Duncan se apresenta a ela como um homem desprovido dos moralismos da sociedade, distinto de God e Max McCandles (Ramy Youssef). No entanto, ao perceber o crescimento de sua mente e sua independência, ele não consegue lidar com uma mulher livre sexualmente e que se desenvolve por conta própria. Enquanto podia dominá-la, ele a mantinha em seus braços, encantado por seu lado “selvagem”. Bella pode desejar o sexo incessantemente, mas é forçada a se conformar aos padrões da sociedade, mas diante da sociedade, deve ter modos, o moralismo e a misogia se apresenta cedo ou tarde à todos os homens que a cercam, a sociedade foi construida nessa base, Duncan, é apenas mais um, como todo os homens que passaram pelo seu quarto quando ela esteve em Paris.

Foto: Reprodução da Internet

Neste universo resplandecente, Yorgos Lanthimos constrói um dos melhores filmes de sua carreira, acompanhado por uma trilha sonora disruptiva que ecoa em minha mente enquanto escrevo estas palavras. É uma verdadeira jornada humana, explorando os prazeres e ideais que desafiam as frágeis estruturas sociais.

 

Ficha Técnica

Direção: Yorgos Lanthimos

Roteiro: Tony McNamara (baseado em romance de Alasdair Gray)

Elenco: Emma Stone, Mark Ruffalo, Willem Dafoe, Ramy Youssef, Christopher Abbott, Kathryn Hunter, Jerrod Carmichael, Hanna Schygulla, Margaret Qualley, Vicki Pepperdine, Suzy Bemba, Keeley Forsyth, John Locke, Kate Handford, Owen Good, Damien Bonnard, Tom Stourton, Wayne Brett, Carminho, Jerskin Fendrix

País: EUA

Duração: 142 min.

Sinopse: A jovem Bella Baxter é trazida de volta à vida pelo cientista Dr. Godwin Baxter. Querendo ver mais do mundo, ela foge com um advogado e viaja pelos continentes. Livre dos preconceitos de sua época, Bella exige igualdade e libertação.

 

NOTA: 5

Matheus Carniel

Historiador, cineasta e apaixonado pela escrita, sou um aventureiro dedicado às inquietações que apenas a arte pode despertar. Originário de Cravinhos, defendo fervorosamente a interiorização do cinema, acreditando no poder transformador que a sétima arte tem quando acessível a todas os cantos.

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