Troca de etnia nas telas: representatividade ou fidelidade?
Indústria do cinema recorre à nostalgia do público e escala atores para reviver personagens clássicos alterando a etnia do protagonista.
Atualmente, a indústria do cinema vem evoluindo e tentando inovar. Uma forma de fazer isso é recorrer à nostalgia do público, tornando animações que fizeram sucesso no passado em obras Live-Action. Porém, os diretores deixam a fidelidade em segundo plano quando o assunto é escalar atores para reviverem o personagem, trocando a sua etnia, como uma forma de também obter representatividade.
O cineasta e historiador, Matheus Carniel, da Retalha Filmes, comenta sobre o conflito entre fidelidade e representatividade.
“São dois pesos distintos. A representatividade busca garantir uma representação justa e precisa de diferentes grupos étnicos nas telas, permitindo que pessoas de diversas origens se identifiquem”. Ele explica ainda que, “a fidelidade ao material de origem preserva a integridade do personagem. A representatividade tem um peso maior na sociedade que busca representar sua identidade. No entanto, é necessário considerar o uso da representatividade como uma estratégia mercadológica, onde o capitalismo muitas vezes se aproveita de pautas sociais para gerar lucro, sem necessariamente ser ‘representativo’”, completa.

Foto: Arquivo Pessoal
Essa troca de etnia, na maioria das vezes, gera grande crítica do público, frequentemente com um discurso preconceituoso.
“Quando ocorre uma troca de etnia de um personagem, é comum que algumas pessoas expressem críticas. Essas críticas podem ser fundamentadas em preocupações relacionadas à fidelidade ao material de origem, ao apego emocional a uma versão específica do personagem ou, infelizmente, ao preconceito racial e à resistência à mudança”, comenta o cineasta.
Ainda segundo Matheus Carniel, “críticas fundamentadas na falta de fidelidade ao material de origem podem ser consideradas válidas dentro do contexto da discussão sobre adaptações cinematográficas. No entanto, em sua grande maioria, as críticas quando envolvem esse assunto, são recheadas de falas preconceituosas que desvalorizam ou discriminam atores devido à sua etnia, são uma podridão manifestada em preconceito racial”, diz.
Frequentemente, os atores escolhidos para essa troca são as maiores vítimas das críticas. Alguns exemplos que sofreram o chamado hate pelo público foram Halle Bailey, no papel da Pequena Sereia e Yara Shahidi, no papel de Sininho, nos live-actions de “A Pequena Sereia” e “Peter Pan”, respectivamente. Ambas as atrizes são negras e interpretaram personagens originalmente brancas.

Foto: Divulgação/Internet
Segundo Matheus, “os atores muitas vezes enfrentam uma pressão adicional quando críticas preconceituosas são feitas em relação às suas escolhas de papel ou à troca de etnia em personagens. Essa pressão pode ser agravada pelo alcance e pela natureza impessoal das mídias sociais, onde as críticas podem se espalhar rapidamente e ter um impacto significativo na vida pessoal e profissional dos atores”.
Por outro lado, há casos em que os atores são abraçados pelo público e fazem grande sucesso. Jason Momoa é o maior exemplo disto. Ele deu vida ao Aquaman no cinema, um super-herói que nos quadrinhos é branco com cabelos loiros, enquanto Momoa tem raízes havaianas. Mesmo assim, o público gostou da mudança.

Foto: Divulgação/Internet
“O sucesso de atores cujas etnias diferem das dos personagens que interpretam pode ter um efeito variado no público. Algumas pessoas podem ser capazes de separar a atuação e o talento do ator da diferença étnica entre o ator e o personagem, enquanto outras podem continuar a expressar insatisfação em relação à falta de fidelidade”, diz Matheus.
Ao falar sobre a representatividade, Matheus explica que “é importante ressaltar que a diferença étnica não deve ser simplesmente ‘esquecida’ pelo público. Esta é uma questão relevante para muitas pessoas. A importância de uma representação justa e precisa de diferentes grupos étnicos nas telas pode promover uma sociedade mais inclusiva”, conclui.