Vortex (2022)

Com uma abordagem cinematográfica marcada por cortes mínimos e uma câmera que captura cada detalhe com precisão, Noé constrói um clima de realismo que valoriza as performances dos atores.
Foto: Divulgação

Gaspar Noé (Climax; Irreversível; Viagem Alucinante), renomado diretor conhecido por sua abordagem visceral e provocativa no cinema, apresenta em seu último filme uma obra que mergulha profundamente na condição humana em sua jornada final. Em uma noite atípica, onde a tela se divide e os corpos se isolam, Noé nos leva a refletir sobre a solidão, o envelhecimento e a inevitabilidade da morte.

No centro da trama, um casal de idosos, interpretado pelo mestre do horror italiano Dario Argento (Suspiria; Prelúdio Para Matar) e pela sublime Françoise LeBrun (A Mãe e a Puta; No Alto das Escadas), desempenha o papel de Mãe e Pai, sem nomes, enquanto testemunham sua relação se deteriorar gradualmente, em paralelo ao declínio de seus corpos. O filme, lançado durante o Festival de Cannes de 2021 na seção Cannes Première, surpreende ao revelar um lado introspectivo de Noé, que foge das expectativas de sua tradicional inquietação cinematográfica. Aqui, o diretor mergulha na inquietação da alma humana, explorando os efeitos da demência que distancia mentalmente o casal, simbolizado de forma impactante por um corte na tela que separa suas jornadas individuais.

Com uma abordagem cinematográfica marcada por cortes mínimos e uma câmera que captura cada detalhe com precisão, Noé constrói um clima de realismo que valoriza as performances dos atores. Françoise LeBrun brilha com uma atuação única e maestral, transmitindo as nuances da fragilidade humana diante da mortalidade.

Foto: Divulgação

A mortalidade é quem define a fragilidade do ser humano, os anseios e medos do envelhecimento são constantes na sociedade, mas o tempo é imparável, os efeitos que a vida proporciona apenas acontecem. Aqui, a morte é protagonista da trama, sabemos o destino dos corpos e mentes, pois “todos aqueles cujos cérebros apodrecerão antes de seus corações”. Quando a mente se esquece de momentos vividos, só resta o corpo caminhando por aí e, os sentimentos irracionais cuidando de tudo, a Mãe, mesmo perdida em suas memórias, não se esquece dos cuidados que só o amor pode proporcionar, já o pai, resguardado no conforto de sua bagunça, guardando as memórias através de objetos, como se fossem um museu de sua vida, não consegue se libertar na mente e no físico, devido às amarras do seu corpo.

Em um mundo onde a busca pela juventude eterna é constante, Noé nos confronta com a realidade inescapável da mortalidade e a beleza melancólica das lembranças que moldam nossa identidade. Seu filme se torna, assim, não apenas uma obra cinematográfica, mas uma reflexão profunda sobre a condição humana, capturando a essência da vida em suas nuances mais delicadas e poéticas. Um filme catarse do método lento e dramático que só poderia sair das lentes de um Noé mais maduro e brilhante.

 

Ficha Técnica

Direção: Gaspar Noé

Roteiro: Gaspar Noé

Elenco: Dario Argento, Françoise Lebrun e Alex Lutz

País: França

Duração: 142 minutos

Sinopse: Alguns dias da rotina de um casal idoso que lida com a degeneração da saúde mental da mulher. Enquanto o estado dela vai se agravando, as tarefas cotidianas se transformam em verdadeiros desafios muitas vezes angustiantes.

 

NOTA: 5

Matheus Carniel

Historiador, cineasta e apaixonado pela escrita, sou um aventureiro dedicado às inquietações que apenas a arte pode despertar. Originário de Cravinhos, defendo fervorosamente a interiorização do cinema, acreditando no poder transformador que a sétima arte tem quando acessível a todas os cantos.

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