A carteira
Enfrentar estrada. Há sete meses, essa era a rotina semanal de Rodolfo para fazer um curso de especialização em outra cidade. “150 quilômetros de distância. Nada muito cansativo”, pensara, e afinal era apenas um ano de sacrifício para conseguir a tão sonhada promoção na empresa.
Todo o trajeto já lhe era bem familiar. Sabia quando era possível uma ultrapassagem segura, quando a rodovia se tornava perigosa, e onde estavam os radares fixos. Enfim, as viagens seguiam tranquilas. Até aquele dia.
Logo de manhã, ainda sem sair da cama, Rodolfo sentiu uma dor generalizada pelo corpo que lhe pedia para ficar em casa. Levantou lento, os músculos não respondiam com a rapidez necessária, os olhos se fechavam apesar da água gelada no rosto. O relógio mostrava os ponteiros se movimentando rápido. Responsável, lutou contra o estado de desânimo e, zonzo, com a cabeça pesada como se estivesse de ressaca, nem tomou café e saiu atrasado para aula.
Foi no pedágio, já no meio do caminho, que percebeu ter esquecido a carteira. Sem dinheiro, tentou de todas as maneiras convencer os funcionários que pagaria na volta com o empréstimo que seria feito por algum amigo do curso. Nada feito! Sem reais, sem viagem. A testa começou a arder. Estava com febre, talvez fosse realmente melhor voltar para casa. Contornou, pegou a pista contrária enquanto resmungava:
– Droga, bem que algo me dizia pra ter ficado na cama.
Irritado, nem percebeu que pisava fundo no acelerador. Adiante, uma viatura da polícia rodoviária indicava que teria problemas.
Um bom dia nada amigável deu início ao martírio.
– Documentos, por favor.
– Seo guarda, eu esqueci minha carteira em casa com todos os documentos. Nem dinheiro eu tive pra pagar o pedágio. Estou voltando exatamente por isso.
– O carro vai ter que ser guinchado.
– Olha, eu sei que tô errado, mas não tem jeito do senhor me tirar dessa?
– Tá querendo me subornar, é?
– Nãããooo. Nem dinheiro eu tenho agora pra isso!
– Ah, então se tivesse iria me subornar, né? Vou ter que prendê-lo!
– Pelo amor de Deus, seo guarda, eu não fiz nada. Que droga!
– Como assim, que droga?! Isso é desacato à autoridade. O senhor está se complicando.
– Quêêê?! Eu nem fui mal-educado! Só disse que não tem razão pra me prender.
– Ah, resistência à prisão? Vou ter que chamar reforço.
– Para com isso, seo guarda. Eu só esqueci a carteira.
E o guarda já com o rádio na mão:
– Venham rápido, que o sujeito está descontrolado.
Rodolfo sentia a cabeça latejar. Lembrou da cartela de aspirinas que mantinha no porta-luvas. Abriu para pegar um comprimido. De imediato, o policial lhe apontou o revólver.
– Pra fora, pra fora. Saia com as mãos pra cima. Nem tente pegar a arma.
Confuso, assustado, Rodolfo saiu do carro e em poucos minutos estava rodeado de viaturas. Com o rosto virado para o capô do carro, ele escutou:
– O elemento é perigoso. Todos tenham cuidado.
– Mas eu só queria pegar uma aspirina!
– Peguem a arma dele no porta-luvas.
– Chefe, não tem arma nenhuma. Aqui só tem aspirina e uma carteira.
– Carteira? Minha carteira estava o tempo todo no carro?
E rindo histericamente, Rodolfo entrou no camburão enquanto ouvia um dos policiais comunicando pelo rádio:
-É, ele conseguiu se desfazer da arma, delegado. Mas sem dúvida é o assaltante que a gente procurava! Positivo, doutor, desligo.