Bem acompanhado
Pode-se estar junto de várias pessoas, rodeado de corpos que gesticulam, que falam, dão risadas, reclamam, cruzam e descruzam as pernas, batem os dedos, enfim, fazem barulho provando a existência, e mesmo assim sentir-se sozinho, entregue apenas aos próprios pensamentos, alheio ao que dizem ser real, fechado em si mesmo, absorto em emoções que nutrem a alma.
Responde-se ao que é perguntado, cumprimenta-se com um sorriso distante, e ninguém percebe o quão longe daquele cenário se está. Um quadro que parece tristonho para aqueles que nunca desfrutaram a solidão como escolha. A opção de se entreter com as lembranças é a conquista da liberdade, e não existe nessa alternativa nada de melancólico. O difícil é explicar o porquê de um sorriso vir ao rosto durante uma conversa sobre política, ou aquela intervenção inadequada na tentativa de mostrar-se atento à discussão, apesar da cabeça estar a quilômetros de distância.
E claro, o motivo dessa alienação é quase sempre um alguém, uma pessoa que aprisiona a atenção, causando um estado de torpor, que talvez, para quem veja, pareça até mesmo que se está doente, sem energia, e na verdade, é somente a consciência de que nesta entrega não se deve movimentar-se muito, pois espantaria os sonhos.
Com a paixão, as normas de governar a vida tornam-se diferentes. Já não se é o rei solitário que segue leis autodeterminadas. As regras antes estabelecidas são modificadas pela autoridade do coração e quando se percebe já se é totalmente subserviente e fiel, soldado espartano que defende com mão certeira a terra conquistada. A obediência ao sentimento afasta a vontade de se relacionar com o mundo externo, e isso, incomoda, ah, incomoda muita gente. E não adianta de nada você dizer que está bem, que não quer ir a uma festa, que prefere ficar em casa à noite com seus livros e discos, que certamente vão dizer que a solidão é maléfica. Dificilmente vão compreender que às vezes estar sozinho é estar muito bem acompanhado.