Causo da Galinha
Comida da roça. Quem nasceu onde a terra é vermelha sabe bem que sabor é esse.
Pra mim, tem um gosto a mais, o da infância. Eu passava as férias no sítio dos meus tios, em Novo Horizonte, interior de São Paulo. Aos domingos, não faltava a galinha caipira com aquele molho escuro que eu misturava no arroz, no feijão e na polenta. A mesa era colocada debaixo das árvores, uma mesa grande feita de tábua grossa, segura por dois cavaletes.
Outros parentes vinham da cidade e todos se sentavam em volta da mesa farta. Os adultos contavam “causos”, riam, disputavam a vez de falar. Eu, pequena, só ouvia. Sei de cor cada história contada e recontada por eles. Quieta, atenta, me sentia feliz em estar ali. Adorava quando a minha mãe colocava em meu prato aquele pedaço da galinha que tem o osso em formato de “V”. Não pela carne, mas pela brincadeira. Eu e minha irmã segurávamos as pontas desse osso, fazíamos um pedido e forçávamos até ele quebrar. Era atendido o desejo de quem ficasse com o pedaço maior. Eu acreditava na seriedade do jogo, e me sentia decepcionada quando perdia. Não consigo me lembrar o que tanto desejava aos cinco, seis, sete anos de idade. Mas com certeza não era ver a cena que me fez tremer num dia daqueles de férias.
Foi uma correria misturada com gritos e cacarejos. Minha tia suava para tentar ganhar a corrida disputada com uma das galinhas que criava. Entre penas pelo ar, a coitada foi alcançada. Na hora, não entendi o porquê minha tia se portava como criança, brincando no galinheiro. Mas assim que ela agarrou a galinha, com força segurou o pescoço da ave e torceu. Eu gritei. Por que tamanha violência? Minha tia rindo, disse que eu gostaria de comer o bichinho. Acompanhei o funeral até a cozinha e só naquele cortejo vi a galinha ser colocada em água fervente.
Saí atordoada. Voltei ao galinheiro como forma de solidariedade. Ao meio dia me chamaram. Hora do almoço. Festa, mesa colocada debaixo das árvores, alegria total. Em cima da tábua grossa, a travessa bonita com a galinha. Tive enjôo. Nem quis o pedaço do osso em formato de “v”. Depois desse dia, aos domingos, comia apenas o arroz, o feijão e a polenta.
E eu pensando que só eu tivesse essas lembranças, Renata. Voltei no tempo…. tudo igual… só as galinhas diferentes.
Ah, Irene, infância na roça!