Compromisso caipira
A palavra dada é, para o caipira, ponto de honra. Atrás do jeito simples de quem convive com a natureza, existe na índole do matuto a complexidade de valores repassados de geração a geração. Uma vez dito, não tem volta! Promessa, então? É levada às últimas consequências. Não tem papel, assinatura e cartório mais valiosos que o compromisso falado. Se, no calor de uma discussão, o caipira apostar toda a colheita ou o cavalo de estimação, mesmo que isso lhe traga dores futuras, está garantido o combinado.
A minha avó paterna soube disso ainda moça. Filha de italianos, mal falava corretamente o português quando se apaixonou por um desses cabras que tem a vida plantada na simplicidade. Apresentada à família do noivo, foi recebida com desconfiança pela futura sogra. Não que ela tivesse antipatizado com aquela figura de um metro e meio e fala estranha. Mas duvidou que a jovem fosse boa parideira, forte o suficiente para aguentar o trabalho da casa e capaz de fazer uma suculenta galinhada. Mas de nada adiantava lamentar. O filho estava realmente enamorado e o melhor era ser prática na questão. Pensou: “Bom… Deus cuida dos netos que hão de vir, que dos ensinamentos do dia a dia eu mesma dou conta. O meu filho é que não pode ficar comendo qualquer porcaria!” Decidida, informou à pretendente que passariam a se encontrar todas as tardes até que chegasse o casamento. Minha avó nem se atreveu a contrariar tal decisão.
Nos primeiros dias, as duas se viram presas a uma obrigação, mas com o tempo a docilidade da “pequena italianinha”, como era chamada, desfez qualquer reserva que pudesse existir e a velha retribuiu com paciência e dedicação àquela que ensinava. Assim, entre panelas e temperos, o cheiro que mais se destacou naqueles encontros foi o da afeição. Minha avó mostrou-se ótima aluna e aprendeu não só o guisado, como o ponto do tutu de feijão, o jeito de pururucar a leitoa, o truque para fazer os doces de goiaba e de mamão que o noivo tanto gostava.
Com a convivência, tornaram-se mãe e filha. O carinho entre elas era tamanho que, consumadas as bodas, a sogra prometeu ensinar o que mais lhe rendia elogios e encomendas da vizinhança: fazer calça masculina. O segredo era o corte, descoberto há décadas pela família. As calças ficavam com um caimento diferente, bonito, e mesmo o mais gordo dos homens, ou aquele cujos ossos saltam às vistas, sentia-se elegante trajando tal roupa.
Porém, quis o destino que a morte visitasse a experiente professora antes de cumprido o juramento. Uma pneumonia mal tratada fez com que, logo depois do casamento, fosse enterrada sob as lágrimas inconformadas da nora. Ao voltar para casa, a recém-casada guardou a tesoura e os panos comprados para o exercício da costura e não mais mexeu neles. Continuou a fazer as receitas que aprendera, engravidou do primeiro dos sete filhos que teria, fez da casa pobre um lugar aconchegante e arrumado. Mesmo continuando a vida, não esquecia uma noite sequer de rezar pela alma da sogra.
Numa manhã como qualquer outra, sem dizer uma palavra, minha avó foi até a máquina de costura e fez calças para o marido. Também costurou para o sogro, depois para os cunhados e em pouco tempo tinha vários fregueses. Aprendera o corte secreto da família! Como? Durante toda minha infância, escutei a mesma explicação esquisita. Intrigada, com a autoridade dos meus oito anos de idade, questionei minha avó sobre o feito:
– Quem te ensinou a fazer estas calças, vó?
– Minha sogra que veio me ensinar.
– Mas ela já não estava morta na época?
– É, mas ela tinha me prometido.
– Credo, vó! Um fantasma?
– Que fantasma? Era mesmo minha sogra. Ela me acordou e disse: “Isolina, levanta que hoje vou te mostrar como faz calça.” Daí, a gente passou a noite inteira costurando e eu aprendi.
– Mas como pode, vó?
– E eu que vou saber? Foi assim e pronto.
Acreditei na minha avó. Acredito até hoje. Afinal, das promessas e palavras de caipira não se duvida! E me dá um orgulho danado de ter nas veias esse sangue.