Manga Verde

Parecia uma chácara. Mas eram os meus olhos de criança que identificavam o lugar como tão grande e espaçoso. Na verdade o quintal da casa de minha avó era um pequeno local que se diferenciava dos outros por ser de terra batida e, claro, cheio de magia e encanto para as minhas brincadeiras. À esquerda ficava uma pequena horta com as ervas usadas para fazer chá e também os temperos responsáveis em deixar a comida tão saborosa. À direita, um canteiro com flores variadas em formas e cores. E bem no meio, como que protegendo as duas plantações, ela reinava majestosa e imponente: a mangueira!

Nada melhor que sentar à sombra dela e me refestelar com a sua fruta amarelo-esverdeada em formato de coração. Coração-de-boi. Quebrava a cabeça para entender esse nome e na ingenuidade de menina cheguei a pensar que o gado tivesse este órgão doce como a polpa da manga. Às vezes eu descascava a fruta por inteira, outras, minha avó cortava-a em pedaços, mas o bom mesmo era chupá-la através de um furinho feito pelo dedo em uma das extremidades. Levava bronca quando sujava a roupa.

– Já não disse para tirar a camiseta quando for chupar manga?

– Ah, vó, e se o vizinho olhar pelo muro?

E com essa posição pudica não tinha jeito da minha avó me convencer a tirar a roupa. Também não conseguiu me persuadir a desistir da fruta quando ela estava verde. Apesar de todos os conselhos de que a manga não madura iria me fazer mal, escondida cheguei ao pé da majestosa e como não vi ninguém, colhi logo duas e fui para um canto tentando me ocultar. Estavam duras e tive que tirar toda a casca para conseguir comer. Apesar de não estarem suculentas, o melhor sabor era apenas de fazer algo errado e proibido. Depois, sem saber onde esconder as cascas, joguei-as pelo muro baixo para o quintal da vizinha.

Poucos minutos depois, lá estava a Dona Aparecida com o restos da fruta nas mãos falando com a minha avó. Um frio percorreu minha barriga, chegou ao peito e travou minha respiração. A mulher exigia que eu fosse repreendida, quem sabe até levasse uma surra! Minha avó ouviu pacientemente as reclamações.

– Dona Cidinha, a senhora tem toda razão. Mas não precisa ralhar com a menina porque quem fez essa porquera fui eu mesma. Sem querer, achando que jogava de longe a casca no meu quintal, acertei sua casa.

– Ára, Dona Isolina, vai assumir a culpa e proteger a neta em vez de se zangar com ela?

– Pois foi desse jeito que contei. A senhora me desculpe e agora dê licença que preciso varrer o chão e pôr o feijão no fogo.

A enxerida da vizinha saiu resmungando enquanto eu me apresentava cheia de culpa e gratidão.

– Desculpa, vó!

E ela, com um sorriso maroto:

– Essa aí até que mereceu um servicinho extra, que não faz nada o dia todo. Mas em você não sou eu que vou dar uma prensa. Espera até a dor de barriga chegar!

Dito e feito. A lição foi aprendida: nunca mais comi manga verde. Mas confesso que quando vejo uma… ah, como me dá saudade daquela época.

Renata Canales

É jornalista, graduada em Comunicação Social pela Escola de Comunicações e Artes da USP, com habilitação em Rádio e Televisão, e habilitação em jornalismo pela Universidade de Ribeirão Preto. Além de ser Mestre em Filosofia da Educação pela Universidade Federal de São Carlos.

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