O racismo histórico no futebol

Casos recentes contra atletas trazem à tona o histórico preconceito no esporte.

O racismo é um problema que está enraizado na sociedade. Esse tipo de preconceito está presente em diversos setores sociais, inclusive no esporte. No futebol, os casos de injúria racial vêm se tornando frequentes, principalmente com os brasileiros, destacando o atleta do Real Madrid, Vinícius Júnior, que foi alvo de diversas ofensas racistas neste ano. Para piorar a situação, até os próprios brasileiros cometem esse ato criminoso, agravando ainda mais o problema.

Os casos de racismo nos estádios infelizmente vêm se tornando algo corriqueiro. Imitações de animais, cânticos racistas e as próprias ofensas são as formas com que esse ato é propagado. Na maioria das vezes são os torcedores que praticam o ato e acabam saindo impunes ou sofrem pequenas punições.

Quando perguntado sobre o nível das infrações impostas contra os racistas, o professor de história do Colégio Santa Úrsula de Ribeirão Preto, Victor de Vargas Giorgi, comenta que as punições não são suficientes.

Professor Victor de Vargas Giorgi
Foto: Arquivo Pessoal

“Acredito que não, haja vista que os casos de racismo no universo futebolístico são corriqueiros, sobretudo nos campeonatos europeus e na Libertadores da América. Em tais episódios, a maioria dos perpetradores de tais atos hediondos saem impunes, mesmo que seus rostos sejam reconhecidos em câmeras dos estádios e da imprensa”, comenta o professor.

Ele explica ainda que “há uma escancarada omissão por parte das próprias instituições do futebol (que pretensamente fazem campanhas contra o racismo, mas nunca tomam uma atitude mais incisiva contra tal prática), árbitros, parte dos jornalistas, entre outros. Neste sentido, o caso do racismo sofrido por Vini Júnior no jogo contra o Valência seja o mais emblemático desses últimos anos”.

Homenagem a Vinícius Júnior, após ataques de racismo
Foto: Agência Real Madrid

O futebol ganhou popularidade muito por causa dos brasileiros. A seleção brasileira é a maior campeã da história da Copa do Mundo, com cinco títulos, e teve várias gerações marcadas por jogadores emblemáticos. Nesse sentido, a maior referência do esporte era Pelé, um brasileiro negro, considerado o maior futebolista de todos os tempos. Relacionando esse fato com o racismo no esporte, há uma incoerência, visto que o maior símbolo do esporte era um negro.

“O futebol funciona, em minha opinião, como uma chave micro analítica que contribui para a compreensão de como uma determinada sociedade está fundamentada. Nesse sentido, o racismo no futebol ocorre porque o racismo é um problema enraizado na sociedade brasileira (onde opera em âmbito estrutural) e de tantos outros países, sejam antigas metrópoles, sejam ex-colônias”, explica o professor Victor Giorgi.

Os protestos contra o racismo no futebol ocorrem já há um tempo. Em 2021, ao redor do mundo inteiro, jogadores começaram a se ajoelhar e manter o punho fechado para cima antes de todas as partidas, como uma forma de combate ao racismo. Mais recentemente, no campeonato brasileiro, a CBF lançou a campanha “Com racismo não tem jogo”, um movimento antirracista com a participação de árbitros e jogadores.

Ao ser perguntado sobre como amenizar os casos de racismo, o professor Victor explica que “a questão, mais uma vez, é que como o racismo é um problema estrutural em nosso país, dificilmente os racistas são efetivamente condenados, ou, quando o são, recebem penas mais brandas. O combate ao racismo no futebol não deve ser concebido separadamente da necessidade de combatê-lo em âmbito geral”.

Estátua de Edson Arantes do Nascimento, o Pelé
Foto: Divulgação

Ele complementa dizendo que “foi estabelecida uma cultura de permissibilidade nos estádios, como se os torcedores tivessem ‘licença’ para ofender, agredir, entre outros. Para erradicar esse problema, é imperativo investimentos em uma educação que seja crítica e emancipadora, que exalte as tradições e a importância dos negros na formação da nossa população, que faça uma contundente crítica à escravidão e difunda a ideia de que a população negra necessita de políticas que objetivem uma reparação histórica”.

O mais grave nesses casos de crimes de injúria racial nos estádios é que os brasileiros são os maiores alvos das ofensas, mas o próprio povo brasileiro também pratica atos racistas. O mais famoso foi o caso do goleiro Aranha, que sofreu ataques racistas da torcida do Grêmio quando defendia o Santos, em 2014.

“Os recentes casos de racismo sofridos por Vini Júnior, ou de atletas brasileiros que disputaram partidas da Libertadores da América na Argentina e no Uruguai, fazem com que uma contradição latente emerja: quando brasileiros são ofendidos por estrangeiros, há uma explosão de fúria e indignação por parte de muitas pessoas (como se toda a nação estivesse sendo atacada)”, avalia o professor.

Victor finaliza dizendo que uma “parte considerável de tais indignados e comovidos ‘fecha os olhos’, cotidianamente, para práticas racistas em nosso próprio território. Talvez possamos considerar que determinados indivíduos, como futebolistas, possuem status de estrelas, atraindo em torno de si legiões de fãs (e de ‘haters’, eventualmente), ao passo em que a população negra brasileira, majoritariamente periférica, seja considerada negligenciável, inferior ou perigosa, o que garante legitimidade para práticas de violência (vide as taxas de homicídio em ações policiais, por exemplo)”.

Kaique Souza

Estudante de Jornalismo na UNESP Bauru

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