Na sala de espera: paciência

Acho que ninguém se importa com os pacientes na sala de espera dos consultórios de médicos e de dentistas. E paciente, como o termo já diz, tem tempo para observar porque não pode mesmo fazer mais nada enquanto espera horas para ser atendido. As agendas médicas são excêntricas, têm um sistema próprio de medir o tempo. Marcou para as 14h? Vai ser atendido às 16h. Até aí tudo bem, quer dizer: mais ou menos. Quando um problema não tem solução, já está solucionado: é esperar e aproveitar para tirar lições com base no comportamento e nas conversas paralelas, algumas em voz baixa, outras mais sussurradas e outras nem tão baixas assim, de gente expondo num espaço de poucos metros quadrados problemas familiares, fofocas etc. E tem aqueles – geralmente acompanhantes inquietos, falando sem parar ao telefone celular, andando de um lado para o outro da sala, batendo o bico do sapato nas pernas das poltronas, resolvendo sem pudor pendências bancárias, amorosas, falando com empregada, filho que ainda não voltou da escola, marido que está viajando. E outros digitando mensagens, olhos perdidos na tela, imersos em um mundo paralelo, franzindo a testa ou esboçando sorrisos.  Bem, tudo isso ainda seria mais ou menos suportável se os doentes pudessem esperar com um pouco mais de conforto. Não é pedir muito. Afinal, convênio custa caro.

E o roteiro continua ao som monótono e enjoativo das recepcionistas marcando horários na agenda, atendendo ao telefone com a mesma resposta para todos: – Ele está em consulta – ou pior e esquisito: perguntando em voz alta para toda a sala ouvir (elas do lado de dentro do balcão, o paciente sentado lá longe): – Quantos anos a senhora tem? Profissão? Endereço? É a primeira vez?

sala de espera

Bem, deixa pra lá, eu não conheço ninguém mesmo… mas agora eles me conhecem. E eu sei que aquela senhora da última cadeira se chama Odete, tem 58 anos, é do lar e mora em Batatais. Voltemos à espera. Entediadas, algumas pessoas começam a olhar umas para as outras, disfarçadamente, de rabo de olho, examinar os sapatos, a roupa, o cabelo, os óculos.

Ajeitamos a bunda na cadeira ou na poltrona (que desconforto, é dura, estreita e dá dor na coluna) mudando de posição a cada cinco minutos – e a espera se alonga. Então, fazer o quê? Ler uma revista. Aí vem a pior parte. Nada interessante, só revistas velhas – tem até de 1997 – de capa amassada, cheia de assuntos que só interessam a quem, mesmo? Acho que nem os médicos aguentam ler aqueles artigos tão lonnnnnngos de como a diabetes pode se manifestar depois de um trauma, uma perda de ente querido ou sei lá, como evitar o mau colesterol e a influência da falta de cálcio nas fraturas de fêmur. E as fotos? Vamos pular essa parte. E a gente vai folheando na esperança de encontrar algo atraente. Opa! Esse assunto é bom: gastronomia – bolo trufado de maracujá. Mas a parte mais interessante, a receita do bolo, você vira a página e não encontra nada. Arrancaram a folha. Falta exatamente a única vantagem de ter se aborrecido tanto. Assim é demais. Bem, pelo menos espero sair com uma receita – a do médico.

Matilde Leone

Maria Matilde Leone é jornalista e escritora, formada pela Faculdade Cásper Líbero, em São Paulo, SP, em 1985. Trabalhou em diversos veículos de imprensa como redatora e editora, tais como jornais, revistas e de televisão como EPTV, afiliada da Rede Globo. Foi docente de jornalismo na UNICOC em Ribeirão Preto e na Unifran, na cidade de Franca. É autora de Sombras da Repressão, o Outono de Maurina Borges, publicado pela Editora Vozes; A Caixinha do Nada, editora Coruja, Theatro Pedro II – 80 anos, editora Vide. Editora e revisora de várias publicações.

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