O bosque da vida

Umberto Eco, em seu livro “Seis Passeios pelos Bosques da Ficção”, refere-se ao bosque como “uma metáfora não só para o texto de contos de fadas, mas para qualquer texto narrativo…. Usando uma metáfora criada por Jorge Luís Borges, um bosque é um jardim de caminhos que se bifurcam. Mesmo quando não existem num bosque trilhas bem definidas, todos podem traçar a sua, decidindo ir para a esquerda ou para a direita de determinada árvore e, a cada árvore que encontrar, optando por esta ou aquela direção. Num texto narrativo, o leitor é obrigado a optar o tempo todo”. E mais adiante: “às vezes, o narrador quer nos deixar livres para imaginarmos a continuação da história”.

Então, maravilhosamente didático, referindo-se a qualquer texto narrativo, Umberto Eco me levou para outro bosque que é a vida, nossa vida. A todo momento, encontramos bifurcações em nossos caminhos. E a difícil decisão de qual deles tomar pode determinar e desencadear um efeito cascata do qual não conseguimos escapar, acumulando fracassos ou, se tivermos sorte na decisão, algumas alegrias.

Viver é percorrer os bosques da ficção todos os dias. O caminho pode dar em nada, nos depararmos com um muro intransponível, um abismo, uma mata fechada onde a bruxa nos espreita entre os galhos das árvores saboreando o momento certo de mostrar as unhas. Ou pode nos conduzir a uma paisagem sublime, repleta de outras boas opções capazes de nos fazer provar um cálice de felicidade.

Então, me pergunto quem é o narrador do texto de nossa existência. Seremos nós mesmos? E quando ele, esse narrador incógnita, aponta tantas bifurcações nos caminhos do bosque, seria para testar as nossas aptidões, nossa capacidade de avaliar, de pesar prós e contras? E que prazer isso poderia dar a ele? Penso, às vezes, que esse é apenas um jogo criado por uma mente zombeteira que esconde as pedrinhas de marcar o caminho de volta, no caso de escolhermos o atalho errado.

Aí, como resposta, ouvimos todos os tipos de explicação, e uma das mais comuns é a do livre arbítrio. É uma escolha. Ou: você estava no lugar errado na hora errada. Ok!! E como saber qual o lugar certo e a hora certa se não sabemos quase ou nada sobre tempo e espaço e sobre a mente humana? Tudo, só para chegar a uma simples pergunta:

Por que policiais e criminosos começaram a trocar tiros exatamente quando uma mulher grávida de oito meses, do primeiro filho, passava por aquele local depois de comprar o carrinho do menino que se chamaria Arthur? E por que a velocidade de saída da bala de uma das armas não se atrasou ou não se adiantou em relação aos passos dela e atingiu seu filho tranquilamente aninhado dentro de sua barriga?

Matilde Leone

Maria Matilde Leone é jornalista e escritora, formada pela Faculdade Cásper Líbero, em São Paulo, SP, em 1985. Trabalhou em diversos veículos de imprensa como redatora e editora, tais como jornais, revistas e de televisão como EPTV, afiliada da Rede Globo. Foi docente de jornalismo na UNICOC em Ribeirão Preto e na Unifran, na cidade de Franca. É autora de Sombras da Repressão, o Outono de Maurina Borges, publicado pela Editora Vozes; A Caixinha do Nada, editora Coruja, Theatro Pedro II – 80 anos, editora Vide. Editora e revisora de várias publicações.

Deixe uma resposta