A onça pintada – Final

Fiquei me perguntando por que ela deixara aquela caixa comigo.

Sem ação, impotente diante daquele desconforto, retornei o anel à caixa de fechadura quebrada, agora com mais apreensão, pensando em Angelina, quando voltasse da viagem, pois eu invadira sua privacidade. O tempo passou e ela não deu notícias apesar das minhas muitas tentativas de me comunicar com ela. Nunca mais voltou e comecei a pensar que tudo não passara de um pesadelo, um sonho maluco, mas a caixa de fechadura quebrada me trazia para a realidade. Ah, mas a onça pintada não poderia existir, essa, acreditava eu, era fantasia.

Anos depois, numa tarde de sábado, a campainha tocou. Alguém subira sem ser anunciado pelo porteiro, o que era muito difícil acontecer, a menos que o visitante se tornasse invisível. Abri a porta. Um homem com as mãos apoiadas nas duas soleiras, sorriu um sorriso quase conhecido. Em suas mãos sobressaíam pintas grandes e ele exalava um odor estranho, como se não fosse humano. Dois segundos e eu o reconheci: era o mesmo que esperava Angelina no carro dela, naquele sábado distante em que almoçamos juntas e depois ela partiu para Halifax. Mas parecia que eu o conhecia mais, um pouco melhor…

– Vim buscar a caixa.

– Que caixa?

– Você sabe, a caixa de Angelina.

– Onde ela está? perguntei.

– Quem?

– Angelina.

– Talvez tenha se unido à onça pintada e ao homem do elevador que não sobe nem desce em alguma parte desse universo estranho sem escadas e de portas trancadas.

– O que você sabe sobre isso?

O homem não respondeu e continuou na porta, balançando o corpo, quase ameaçador. Pedi que me desse notícias de Angelina, pois achava que ela viajara com ele para Halifax.

– Halifax? Nem sei onde fica isso. É uma cidade?

Não respondi e pedi que ele saísse.

– Não sem a caixa

– Não é sua.

– Nem sua.

Pedi para ele ir embora.

Então… ele riu e sua boca ficou enorme, seus braços foram se transformado, cobertos de pintas, os dentes crescendo, crescendo, e mesmo estando um pouco longe dele, senti um bafo fedorento exalando de sua bocarra. Depois, não me lembro mais, acho que desmaiei. Quando acordei, a porta da sala continuava aberta e a caixa de Angelina estava no chão, ao meu lado. Completamente vazia.

Matilde Leone

Maria Matilde Leone é jornalista e escritora, formada pela Faculdade Cásper Líbero, em São Paulo, SP, em 1985. Trabalhou em diversos veículos de imprensa como redatora e editora, tais como jornais, revistas e de televisão como EPTV, afiliada da Rede Globo. Foi docente de jornalismo na UNICOC em Ribeirão Preto e na Unifran, na cidade de Franca. É autora de Sombras da Repressão, o Outono de Maurina Borges, publicado pela Editora Vozes; A Caixinha do Nada, editora Coruja, Theatro Pedro II – 80 anos, editora Vide. Editora e revisora de várias publicações.

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