Um livro para alguém

Exposição. Não aquele de obras de arte que provocou tanta indignação nas redes sociais e outra que levou um deputado de Cuiabá a registrar um boletim de ocorrência sob alegação de imoralidade quando essa palavra se aplica melhor aos mal feitos da classe política em geral.

Essa é uma discussão infinda que faz a pretensa ala direita atacar a pretensa ala esquerda quando na verdade o que se tem hoje nem é direita nem esquerda, mas um monte de gente conectada na Web, mas desconectada das referências históricas, políticas, sociais e culturais. Arte não é enfeite. É reflexão. E refletir dá trabalho, nos faz pensar. E pensar, já diz um ditado antigo e chato: De pensar morreu um burro.

O que falo aqui é de exposição da minha alma por meio dos meus textos, e que cheguei à conclusão que não faz mal nenhum a ninguém, muito menos a mim já que ninguém se importa com ninguém mesmo e que sou apenas um micro pontinho no mapa mundi que quando for apagado pela borracha da Mafalda não vai fazer diferença nenhuma. Aliás, nenhum pontinho que desaparece do mapa faz falta. Vêm outros que depois também se vão.

Tenho falado de amores, infância, família, amigos e pessoas que encontrei pelo caminho e de alguma forma ficaram presentes lá num pedaço do cérebro que nem sei direito qual é. E conforme a vida vai nos levando, outras lembranças vão se acomodando para surgirem em algum momento para nos dizer que estamos aqui e ainda há vida inteligente no planeta.

Bem, eu hoje me alonguei tanto que não sei se tenho espaço para contar uma passagem da minha adolescência. Mas vou começar, apertar os caracteres e, como disse Drummond (acho que foi ele) escrever é a arte de cortar palavras.

Eu trabalhava em uma livraria, estava com 14 anos, – naquela época não era trabalho infantil, hoje proibido por lei – era um orgulho, desde que trabalho leve, digamos. Uma tarde, voltando para casa, a pé, pela rua Amador Bueno, senti que havia uma pessoa sempre a poucos passos atrás de mim, até que ele (era um moço nissei ou sansei, nunca sei) ficou ao meu lado, me disse oi e continuamos a caminhar juntos e conversar coisas amenas, calor, chuva, essas coisas.

Quando chegamos à esquina onde eu deveria virar para a rua da minha casa, ele disse que voltaria dali, pois morava do outro lado da cidade e me entregou um livro. Disse:

– Só queria te dar esse livro. E voltou.

Era Rumo à Felicidade, de Fulton Sheen, já usado. Achei estranho, mas fui para casa com o livro e li inteiro. O que dizia Fulton Sheen, um psicólogo norte-americano sobre o amor, a amizade, a convivência com as situações do dia a dia me ajudaram muito. E até hoje me servem de apoio.

Muitos anos depois, eu adulta, me deparei com uma pessoa com sérios problemas de família e quase entrando em depressão. Foi um impulso. No dia seguinte, levei o livro para ela. Nossos caminhos se desviaram, nunca mais a vi e nem sei o nome dela. Nunca mais vi o moço nissei ou sansei e também não sei o seu nome. Quando penso nessa passagem, fico pensando:

– Onde e com quem estará o livro?

Matilde Leone

Maria Matilde Leone é jornalista e escritora, formada pela Faculdade Cásper Líbero, em São Paulo, SP, em 1985. Trabalhou em diversos veículos de imprensa como redatora e editora, tais como jornais, revistas e de televisão como EPTV, afiliada da Rede Globo. Foi docente de jornalismo na UNICOC em Ribeirão Preto e na Unifran, na cidade de Franca. É autora de Sombras da Repressão, o Outono de Maurina Borges, publicado pela Editora Vozes; A Caixinha do Nada, editora Coruja, Theatro Pedro II – 80 anos, editora Vide. Editora e revisora de várias publicações.

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