Uma aventura nos Andes – O retorno – Parte Final

Aridez, secura na garganta, sede, nada disso o incomodava, nem mesmo a altitude que fazia faltar oxigênio. Viu de perto, quase aos pés, mas era muito grande, majestosa, quase inatingível, então ele se sentiu pequeno demais diante dos montesNevado Sajama e do Illumani, com mais de seis metros de altura, e deslumbrado com as águas misteriosas do lago Titicaca. Foi diante desse azul profundo que Samuca fez sua grande e primeira reflexão sobre a vida que estava levando, sua importância no mundo. Pensou em voltar, mas esse pensamento ia embora a cada vez que sentia que precisava fazer algo maior, de grande impacto.

Não imaginava que, enquanto vivia carregando sua mochila e dormindo graças aos favores daquelas pessoas simples, seu filho se desenvolvia na barriga de Elizete. Na pequena cidade de Copacabana, quase às margens do Titicaca boliviano, entrou na igreja caiada de branco e passou horas sentado meditando sobre o que fazer. E veio a luz. Sempre vinha uma luz.

Na porta de um pequeno restaurante conheceu um grupo que parecia estar em uma expedição. Deu um jeito de se aproximar e interagir. Eram americanos, brasileiros e peruanos antropólogos que iam em busca de um tesouro perdido. Um tesouro? Samuca imaginou baús cheios de moedas de ouro, mas não! Estavam procurando uma tribo perdida na Amazônia que nunca tiveram contato com os brancos, fugindo de uma série de massacres. Com seu charme costumeiro conseguiu integra-se à equipe, mas como ajudante, carregador, cozinheiro. Malas, sacolas, caixas e mochilas, barcos e tudo o mais. A jornada seria longa. Não seria fácil, teriam de adentrar matas, cruzar rios da belíssima Amazônia e tentar a aproximação que poderia ser um desastre, nunca se sabia.

Dois anos depois, chegou à porta de sua casa, sem coragem de entrar. Tocou a campanhia, a porta se abriu e surgiu uma criança, um menino alegre e logo atrás, ela Elizete, sorridente, coração aos pulos e, sem nenhuma pergunta, nenhuma censura, envolveu Samuca num longo abraço. Ele não precisou dizer, ela acreditou: ele era um novo homem.

– Onde está a mochila?

– Isso ficou para trás, Elizete, nunca mais vou me perder de vocês. Na mesa do jantar, Samuca contou um pouco das aventuras, tranquilo como se nunca tivesse se afastado, como se conhecesse o filho desde o nascimento, feliz e ainda sem dinheiro.

– Só não vi o deserto de sal, disse. E Elizete tremeu.

Mas tudo iria se encaminhar. Jurou para si mesmo que no dia seguinte sairia à procura de um emprego e em breve se restabeleceria para cuidar da família. E assim aconteceu. Elizete continuava seu trabalho como professora, o menino crescia e a sogra já não interferia tanto na vida do casal. Ao que parecia, o contato com a cordilheira e as adversidades, as temperaturas abaixo de zero, fizeram grandes mudanças na vida dele.

Até que um dia – tem sempre um dia – Samuca começou ficar cabisbaixo, outras horas olhando fixo para os aviões que passavam e falava pouco. E a bomba começou a ser ativada. Uma noite, na mesa do jantar. Elizete pressentiu. E ele finalmente disse:

– Tenho pensado muito em…

Elizete nem quis ouvir. Levantou bruscamente jogando a cadeira longe, foi para o quarto com o garoto e trancou a porta.

Matilde Leone

Maria Matilde Leone é jornalista e escritora, formada pela Faculdade Cásper Líbero, em São Paulo, SP, em 1985. Trabalhou em diversos veículos de imprensa como redatora e editora, tais como jornais, revistas e de televisão como EPTV, afiliada da Rede Globo. Foi docente de jornalismo na UNICOC em Ribeirão Preto e na Unifran, na cidade de Franca. É autora de Sombras da Repressão, o Outono de Maurina Borges, publicado pela Editora Vozes; A Caixinha do Nada, editora Coruja, Theatro Pedro II – 80 anos, editora Vide. Editora e revisora de várias publicações.

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