Uma aventura nos Andes – Parte 1
Samuca sempre foi aventureiro. Ninguém confiava trabalho sério a ele, pois sabiam que de um momento para o outro poderia decidir, de repente, de sopetão, sem mais nem menos, partir para uma aventura. Viajar. Ou largar o emprego para construir uma máquina qualquer. Sim, ele era muito habilidoso, não se pode negar. Entendia de tudo sem nunca ter estudado o assunto. Ouvia uma música e já sabia tocar ao piano, violão ou saxofone. Estava sempre criando uma engenhoca. Mesmo assim, inconstante, casou-se. Com uma das moças mais bonitas do bairro. Moça fina, professora. Apaixonada. Assim era Elizete. Tudo o que Samuca fazia, por mais esdrúxulo que pudesse parecer, ela apoiava e sorria: – Como meu marido é inteligente! Tinha orgulho dele enquanto os outros olhavam com um sorrizinho irônico querendo dizer: Esse não chega a lugar algum.
Vez ou outra ficava sem emprego e o salário de Elizete tinha de suprir a casa. Mas ela não se importava e nem dava ouvidos à mãe, que abominava as atitudes do genro.
No entanto, a maior das aventuras não surgiu de repente como todas as outras. Começou devagar. Um dia, folheando uma revista se encantou com as fotos da Cordilheira dos Andes. Mostrou para a mulher com aquele brilho conhecido no olhar. Guardou a revista, mas de vez em quando voltava a abri-la para ver as fotos. Elizete olhava de soslaio pensando que alguma ideia deveria estar crescendo na cabeça do marido.
Quando se reuniam com amigos ou parentes, a conversa logo era a Cordilheira dos Andes. Já viu coisa mais linda?
– E perigosa também, respondiam. Viu a quantidade de gelo que existe por lá?
Ele não registrava essa parte. Somente via a beleza dos picos de neve descendo como o glacê de um bolo de aniversário.
Enquanto a ideia não se transformava em ação, Samuca fazia alguns bicos, não tinha preguiça, o que faltava era constância. Lavador de carros, chapeiro, técnico de som para horror da sogra e condescendência de Elizete, que sempre tinha uma justificativa: “Foi a infância dele. Os pais se mudavam muito de casa, não se fixavam em lugar algum… cada semestre estava em uma escola… é o filho mais novo, os pais mimaram…”
Mas o irmão mais velho, médico psiquiatra, arriscava outros diagnósticos não muito promissores: “Vive fora da realidade”.
Dentro ou fora do mundo real, Samuca era um homem feliz e bastava isso para que Elizete também fosse. O amor é assim.
De vez em quando, ele voltava a abrir a revista e lá ficava maravilhado com as imagens da Cordilheira.
– Tem até um deserto de sal por aqueles lados, disse em voz alta durante o jantar, para espanto de Elizete, que estava falando sobre a vontade de ter um filho.
– Que lados?, perguntou a mulher.
– Da Cordilheira, respondeu Samuca.
Nesse momento, ela se deu conta de que a hora de mais uma aventura estava chegando, mas calou-se para não incentivar o devaneio. Sabia que não teriam recursos para dar suporte a uma expedição como aquela, mas essa preocupação não passava pela cabeça dele.
(Continua na próxima semana)