Uma aventura nos Andes – Parte II

Pouco tempo depois, ele chegou em casa com uma mochila enorme, quase de sua altura, de couro, muito reforçada e cheia de compartimentos capazes de armazenar utensílios para uma viagem à lua.

– Onde conseguiu isso?

– Meu amigo Leandro quem fez para mim, sob medida, para eu levar na viagem.

Justamente nessa noite, Elizete esperava por Samuca com uma notícia de impacto: estava grávida. Mas, diante do cenário e da agitação do marido, resolveu não dizer nada.

Uma semana depois, Elizete acordou e não encontrou Samuca na cama. Foi para a sala e lá estava ele enchendo os compartimentos da mochila gigante: roupas, sapatos, meias grossas, malhas de lã, gorros, cachecóis, garrafa, térmica, latas de salsicha, pão de forma, leite em pó, uma tralha sem tamanho e, ainda uma machadinha.

O que dizer? Chegou a hora, pensou.

Samuca olhou para a mulher e disse: Vou hoje, a caminho da Cordilheira.

– E o dinheiro?

– Decidi pedir carona até lá. Estou levando o pouco que tenho.

Já na estrada, Samuca passou a contar com a boa vontade dos motoristas de caminhão. Comia um lanche magro nos postos de combustíveis e logo conseguia outra carona. Tudo correu bem até chegar à fronteira da Bolívia. De lá para frente a boa vontade dos motoristas começou a diminuir.Talvez porque levassem carga perigosa e desconfiassem de todos.

Samuca ficou alguns dias em uma pequena cidade, uma vila, na verdade mais parecida com uma aldeia. Dormia sob a marquise da igrejinha singela até que o padre, caridoso, o chamou para dentro de sua casinha paroquial. Lá não faltava comida, pois como é de praxe em todos os lugares cheios de carolas, elas se incumbiam de levar bolos, biscoitos e tortas ao padre o ano inteiro. Nasceu ali uma grande amizade. Padre Ferraz era um homem de ideias avançadas e ficou encantado com a coragem de Samuca de realizar o sonho de ver de perto as Cordilheiras. Teve ímpetos de ir com ele, mas a obrigação com a paróquia o impedia de se aventurar.

– A Cordilheira vai do Equador à Terra do Fogo, Samuca, é muito grande. Até onde você quer chegar?, perguntou o padre.

– Não sei ainda, também quero ver o tal deserto de sal…

– Ih, está muito longe, mas você chega lá, se Deus quiser. Vou te dar uma carta de apresentação para você apresentar na paróquia de cada cidade por onde passar, para comer, tomar banho, descansar um pouco.

Samuca ganhara um novo amigo, e que amigo!

O aventureiro despediu-se do padre Ferraz com um forte abraço e seguiu. Continuou a viagem ora de ônibus com o pouco dinheiro que padre Ferraz lhe deu, ora de carona, quando encontrava alguma alma boa.

E assim foi conhecendo cidades, vilarejos, paróquias, igrejas e padres.

Matilde Leone

Maria Matilde Leone é jornalista e escritora, formada pela Faculdade Cásper Líbero, em São Paulo, SP, em 1985. Trabalhou em diversos veículos de imprensa como redatora e editora, tais como jornais, revistas e de televisão como EPTV, afiliada da Rede Globo. Foi docente de jornalismo na UNICOC em Ribeirão Preto e na Unifran, na cidade de Franca. É autora de Sombras da Repressão, o Outono de Maurina Borges, publicado pela Editora Vozes; A Caixinha do Nada, editora Coruja, Theatro Pedro II – 80 anos, editora Vide. Editora e revisora de várias publicações.

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