De quem é a culpa mesmo?

Madame não educa. A mãe de um aluno de um colégio tradicional da Tijuca, no Rio, pediu que a direção proíba o pipoqueiro de trabalhar na porta da escola. É que ela proibiu o filho de comer pipoca. Mas, sempre que vê o pipoqueiro, o miúdo pede à mãe para comprar. E ela não sabe dizer não. Ah, bom!

O Globo – Rio de janeiro, 8 agosto de 2017.

Querida madame, como tantas outras, você, com certeza, terceiriza a educação de seu lindo filho. Não sabe dizer o não, não dá a ele limites e culpa o mundo por qualquer erro em sua educação.

Como você, conheci um monte na época em que era professora – até ontem.

Você é o tipo de mãe que apoia tudo o que o seu miúdo faz, esteja ele certo ou errado. Superprotege e chama isso de amor. Acho isso é intolerável, sabia?

Fico pensando, seriamente, como deve ser aí na sua casa, onde seu filho deve mandar e desmandar, mas não sabe limpar o bumbum após o número dois.

Pra mim isso é triste. Pra você, com certeza, deve ser bonitinho. Ele tem só 8 anos.

8 anos… Tempo suficiente para ter a astúcia de mentir pra você numa segunda-feira, dizendo que está com dor, só pra perder a prova de matemática.

Você não tem a esperteza dele, tampouco conhece doença infantil. Apenas permite que ele falte, depois vai lá brigar na escola, querendo obrigar professor a aplicar a avaliação em nova data, mesmo sem apresentação de atestado médico.

Nunca entendi de onde vem essa sua arrogância. Alguém já te contou que o mundo não gira em torno de você?

Ah, não?

Pois, então, não gira! E saiba que você não é a única que trata seu filho como um bebê para passar a impressão de boa mãe.

No mês passado, em uma sala de aula de crianças de 10 anos, confisquei o aparelho celular de uma aluna. Era o último modelo de iPhone. Levei para a direção e informei o ocorrido: a aluna tirava selfies durante a aula, ignorando minha presença.

A mãe, que nunca tinha ido à escola após a matrícula, foi comunicada e apareceu lá furiosa no dia seguinte. Ela estava acompanhada da polícia.

A coordenação pediu que eu fosse prestar esclarecimento diante da acusação da aluna. Esta informou à mãe que a roubei e que só depois me arrependi e entreguei o iPhone na direção.

Incrédula, eu olhava para aquela prepotência em forma de menina. Ela ria de mim baixinho com as mãos na boca. A mãe, sobre um salto enorme, tentava me intimidar. Berrava. A polícia fazia perguntas, eu respondia calmamente.

Em poucos minutos, o caso foi resolvido. A polícia percebeu que a criança mentia e que estava ali perdendo tempo. Foi-se embora. A mãe não concordou, mas aceitou. Tentou prolongar a conversa:

– Minha filhinha não mente, diretora.

– Senhora, calma! Já foi resolvido. Apenas não permita que sua filha traga o aparelho novamente para a escola.

– Ela não me obedece! Não adianta!

Neste momento, a diretora encaminha a aluna de volta para a sala de aula.

– Tchau, mãe! Quando eu chegar em casa, não vou almoçar. Quero brigadeiro.

– Tudo bem, meu amor! A mamãe faz pra você.

Foi o momento em que pedi licença à diretora, voltei para sala onde estava. Graças a Deus já era quase o horário da saída. Todo aquele teatro causa-me náuseas só de pensar.

Hoje não voltei mais para a escola. Entreguei os pontos. Estou bem assustada com a geração que esses pais estão criando. Daqui alguns anos, verei um monte de adultos infantilizados, doutores em arrogância, incapazes de lidar com qualquer tipo de frustração.

Agora, madame, me responda: em quem você colocará a culpa quando seu filho desandar na vida?

Com certeza a culpa não será dele. Vai ser do professor, da escola, do pipoqueiro da escola, do sistema, da sociedade… Não é?

Lucimara Souza

Formada em Letras, Pedagogia e especialista em Comunicação: linguagens midiáticas, atualmente professora. Aprecia a escrita permeada pela criatividade, humor e certa dose de sarcasmo.

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