Em tempos de crise
Está tão comum falar em crise. Crise econômica, crise política, crise financeira.
Em tempos de crise, vou abrir parênteses aqui para falar da crise interior por que passam os seres humanos.
Por dia, são inúmeras mensagens, significativas por sinal, recebidas através de e-mail, sites de relacionamentos e afins. Mas onde está a coragem de falar, cara a cara, a um amigo que o ama? Onde está a fé transmitida de corrente em corrente via internet? Onde está a paz entre os homens, tanto propagada nos meios de comunicação? Tudo é muito lindo quando teoricamente pronunciado.
O novo dia, que nasce belo e deveria ser vivido como se fosse o último, desmorona-se diante das pessoas que já não se encantam mais com a simplicidade das flores, a beleza do sol, o bom dia do idoso, o sorriso tímido de uma criança ou qualquer outra dádiva ofertada gratuitamente pelo Criador, pois o encanto está em vestir a melhor roupa ou o melhor sapato para estar bem aos olhos dos outros. A beleza reside na linda casa nova e decorada, financiada em 360 meses. A gratidão a Deus é somente pelo carro do ano e o brilho dos olhos só surge diante de uma frivolidade ou uma conquista material qualquer.
Onde está o real valor à vida?
Afirmar que as pessoas deveriam mudar é muito simples, eu sei. Eu também preciso mudar, no entanto a realidade está aí, muitas vezes até de forma sensacionalista, estampada em todos os veículos de comunicação. Vivo em uma sociedade capitalista, onde o princípio mais importante é, infelizmente, o lucro, o dinheiro. A concorrência, o consumismo, os novos mercados, necessidades e o poder aquisitivo, entre outros, são fatores que se relacionam e originam o grave conflito: apropriação da riqueza nas mãos de alguns versus a socialização da pobreza.
Mas e aí? Como relacionar esse conflito à crise interior a qual me refiro lá em cima? Está evidente! As pessoas vivem em crise porque não tem os melhores bens materiais, porque não podem ter a vida que o amigo virtual ostenta nas redes sociais. Elas estão condicionadas ao que veem na TV e às regras mal determinadas pela sociedade. Sonhos da casa da novela, do carro zero O km, das viagens, do emprego e do salário tanto ambicionados, dos corpos perfeitos, parecem nunca se concretizarem. Daí surge a insatisfação, a tristeza, as angústias. É um sentimento de frustração constante. Ficam tão focados no “eu preciso ter” que limitam a vida e se esquecem de algo importante: agradecer pela vida que lhes permitem acordar todos os dias para lutar – ou pelo menos tentar.
Então, será realmente que riqueza traz a felicidade? Analisando o mundinho que me cerca, para alguns, eu creio que sim. Aliás, penso que essa felicidade seja parcial, pois por trás da vanglória exagerada, tem ali uma dor disfarçada, uma alegria simulada, um sorriso fingido ou uma solidão triste acobertada.
Há poucos meses ganhei um livro de autoajuda, desses que são, de forma desprezível, criticados. Chegou em um momento oportuno da minha vida. Não diria que estava em crise, mas estava com a alma adoecida. Adoecida por eu estar com pensamentos ruins, ansiosa e muito desanimada com a atitude das pessoas que me cercam, além da minha sempre presente inconformidade pela incapacidade de mudar o mundo. Percebi que tudo o que estava ali escrito bastaria ser aplicado para que vivêssemos em uma sociedade melhor e mais pacífica. Paz que começaria no interior de cada um a partir da extinção de atitudes de mesquinhez, ingratidão. A cura da cegueira branca, tão bem expressa em Saramago como a cegueira social, seria, do mesmo modo, um caminho para a dissolução da subversão entre os homens, penso eu. Representaria a amortização de tanta ostentação, iniquidade e espantosa frieza, assim como, e de forma consequente, a recuperação da ética social, da dignidade humana e da nossa moral.
Ainda confio em um mundo mais humano, em que as pessoas sairão da “crise mundial interna” e aprenderão a aplicar o amor, o perdão, o respeito, a humildade e tantos outros valores ofuscados pela sociedade.