Volta às aulas
Volta às aulas na minha época – não tão remota assim – era bem instigante.
Passada a primeira semana do novo ano, eu corria lá na escola pra ver se a secretaria poderia informar o dia do início do ano letivo. O retorno era marcado por uma ansiedade prazerosa. Posso sentir o sabor daquela espera.
Muito aguardado era igualmente o dia de sair pra comprar material escolar. Lá em casa, tudo era multiplicado por três, e só meu pai trabalhava. Criou ali, desde cedo, uma doutrina. Carecia que fôssemos, meus irmãos e eu, sempre compreensíveis.
Semanas antes do início das aulas, minha mãe escolhia um dia, e, então, íamos à vizinha Ribeirão Preto, de ônibus, pra comprar aquilo que serviria para o ano todo. Cadernos eram aqueles diários, brochuras, que continham o hino nacional atrás. As capas não estampavam cantores, atores ou bandas famosas, mas se tornariam as mais bonitas depois de envolvidas no papel plástico xadrezinho de azul ou vermelho. Lápis de cores eram dos bons, pra durar o ano todo. O estojo era de madeira; confeccionado pelo meu pai. Envernizado e com repartição pra borracha, lápis preto e lápis de cores, era cobiçado porque abrigava até o tubinho de cola branca. A tesoura vermelha era a do tempo do maternal, com meu nome gravado. Até hoje eu a guardo com carinho.
Dias antes de voltar pra escola, minha mãe e eu sentávamos à mesa da cozinha pra aprontarmos o material: encapar os cadernos e colocar o nome nos objetos. Eu admirava o jeito amoroso com que ela transformava os cadernos mais simples nos mais belos e contempláveis. A primeira folha ganhava uma dobradura que, em seguida, seria presenteada com uma ilustração, feita também por ela, minha melhor desenhista. No caderno de Língua Portuguesa, traçava uma bonequinha. No de Matemática, um patinho. No de ciências, um lago rodeado por flores mínimas. Não necessariamente nessa ordem. Eram exclusivos os meus cadernos. Os desenhos eram os mesmos que ela esboçava nas fraldas de pano que pintava à mão quando meus irmãos e eu éramos bebês. Eu os contornava delicadamente com os lápis novos, depois coloria e apreciava com orgulho.
Com tudo pronto, eu arrumava na mochila do ano anterior. Ali começava a espera pelo grande dia.
O organizar era feito com muita ternura, capricho e muito amor. Atividade que demandava um tempo tido como precioso. O encapar os cadernos, o lascar o lápis pra escrever o nome na madeira, a fita crepe com o nome e a série… Não! Minha mãe não reclamava por ter de exercer essa tarefa.
O tempo de preparar o material escolar tornava a espera para o dia de voltar às aulas ainda mais significativa. A expectativa para o meu momento feliz me dava mais vida e me alegrava.
Chegada, então, a aguardada segunda-feira, o reencontro com os amigos, com professores e funcionários da escola era marcado por muitos sorrisos de felicidade e abraços sinceros.
Foram momentos abundantemente felizes. Momentos que hoje revisitaram minha memória. Aquele preparar com amor também me ajudou a enxergar beleza na simplicidade que tanto amo. A expectativa permitiu que eu percebesse detalhes mínimos que fazem diferença na minha vida até agora, décadas depois.