Índia: Allepey, a Veneza do Leste
Ao todo foram 40 dias de viagem pela Índia. No começo não estávamos muito convencidas de viajar por esse país, já que tudo era muito diferente. Algumas experiências no percurso nos fizeram ter um pouco de receio com relação a tudo e a todos. Os comentários e relatos de outras pessoas também não ajudavam muito para tentar mudar essa percepção. Uma coisa é verdade, demoramos praticamente três semanas para nos adaptar e mergulhar na cultura desse país tão contrastante.
Agora posso dizer que a Índia conquistou nosso coração. Suas diversidades, cores, aromas, sabores picantes e tão característicos, sua gente, costumes e crenças, os contrastes, cultura e o ruído.
Hoje, mais um pedacinho da Índia, depois de deixamos Mysore e com nossas “pernas inquietas” seguimos viagem num ônibus noturno, dessa vez confortável. Foram 9 horas de estrada seguindo para o extremo sudoeste do país, num estado chamado Querala ou Kerala, reconhecido por ter o maior Índice de Desevolvimento Humano (IDH), expectativa de vida e a população mais alfabetizada da Índia, com a taxa menor de mortalidade infantil e a melhor saúde pública do país. Tudo isso se deve ao programa de desenvolvimento social implantado pelo governo ao longo das últimas décadas, com investimentos contínuos em educação, saúde, planejamento demográfico e renda domiciliar. O Estado de Querala também é destacado por ter as cidades mais “limpas” da Índia.
A capital do estado, Thiruvananthapuram é a cidade mais populosa e está localizada ao extremo sul do seu território. Querala é o décimo segundo estado mais populoso do país, banhado pelo mar da Arábia, fazendo fronteira com o Estado de Karnataka ao norte e a Tamil Nadu a leste.
Nossa parada foi na cidade de Alappuzha, também conhecida como Allepey, considerada a “Veneza do Leste”, assim descrita por Lord Curzon, um representante do rei britânico na época da Índia Colonial. A cidade está conectada por canais e lagoas pitorescas. Allepey tinha relações comerciais com a antiga Grécia e Roma assim como outras partes da Índia. Suas praias de areia branca coberta por exuberantes palmeiras fazem dela uma cidade com encantos e propícia para relaxar.
Allepey tem uma população de 180.000 habitantes e graças a Diwan Raja Kesavadas, que na metade do século XVIII fez com que a cidade desenvolve-se, formando um grande centro comercial, onde as exportações de especiarias e pimentas foram responsáveis pelo desenvolvimento comercial da região. Logo se desenvolveu a exportação de madeira e o comércio interno se ativou e muitos dos comerciantes do Estado de Gujarat mudaram para a cidade a fim de instalar-se aqui.
Atualmente Querala se tornou uma atração turística devido as famosas casas flutuantes (house boats), conhecida como Querala “backwaters” chamadas pelos locais de Kettuvallam e com elas é possível passar por antigas vias de navegação.
Estas casas geralmente tem 2 quartos, algumas até equipadas com ar-condicionado, e os passeios geralmente incluem uma comida preparada a bordo cozida ao estilo tradicional de Kuttanad, uma região dentro do distrito de Allepey.
Antigamente, esses barcos casas eram usados para transportar toneladas de arroz e especiarias desde Kuttanad até o porto de Cochin.
Allepey também é um centro para a indústria da fibra de coco e para um dos eventos mais significativos da região: as regatas “snake boat races”. São barcos compridos e bem estreitos que acomodam até 120 regateiros.
Chegamos de madrugada, desta vez descemos num ponto de ônibus. Não havia ninguém por perto e Gi queria ficar ali sentada até o dia amanhecer, já que as ruas eram desertas e não queríamos arriscar caminhar na madrugada num lugar desconhecido. Eu tinha um certo desespero em ficar na rua sentada esperando, ainda mais num local desconhecido. Por sorte, apareceu um Rickshaw (é um tipo de transporte muito tradicional na Índia, são como moto taxis e atualmente motorizados – antigamente eles tinham que pedalar, como em bicicletas) que nos levou até a pousada, não era tão perto como parecia no mapa, considerando caminhar com as mochilas.
Ao chegar na pousada o portão estava entre aberto, era madrugada e todos estavam dormindo. Agradecemos o senhor do Rickshaw e ele perguntou como entraríamos no quarto já que estava tudo fechado. Dissemos pra ele que esperariamos na parte dos fundos da pousada até o dia amanhecer para fazer o check-in.
Tem hora que os Indianos são engraçados. Pensamos que o senhor havia ido embora, mas de repente quando olhamos, lá estava ele tentando despertar os donos para nos receber.
Juntou o vizinho da casa do lado, um pescador, bateram na porta, mas no final conseguiram abrir a janela colocaram a lanterna iluminando o quarto pra acordar os donos. Nós pedíamos por favor que não os acordassem, estávamos bem e esperaríamos o dia amanhecer, não tínhamos pressa.
Imagine você ser acordado desse jeito pelo vizinho e por um outro desconhecido? Ou morreria de susto ou brigaria com o vizinho (risos), esse tipo de comportamento meio intruso parece ser normal entre eles.
Logo veio a senhora responsável pela pousada, com um sorriso no rosto apesar de ter sido acordada no meio da madrugada. Ela nos mostrou o quarto e logo nos ofereceu um “massala chai” (é um chá com uma mistura de especiarias e ervas aromáticas indianas), com o chá em mãos, ficamos sentadas na rede conversando com ela.
A pousadinha dava de fundo para o mar, o que nos proporcionou um belíssimo nascer do sol, iluminando toda a costa, coberta por palmeiras, deixando o mar espelhado e trazendo de volta para a costa os pescadores retornando com seus barquinhos bem pequenos. Alguns muito rústicos, que mais parecia um colchão flutuante.
Caminhamos pela praia, assistindo toda aquela movimentação de pescadores chegando, pessoas ajudando a trazer os barcos de volta para a areia, pessoas curiosas que iam olhar o que o mar tinha a oferecer-lhes aquele dia.
No dia seguinte saímos cedinho para fazer o passeio dos “backwaters”, foi um passeio durante o dia todo. Navegamos por lagos e canais até passar para uma pequena canoa menor, que nos levou ao pequeno distrito Kuttanad. Ali desfrutamos da natureza, do verde e da tranquilidade de Allepey. Passamos por vários canais onde foi possível ver o cotidiano das pessoas, fazendo as coisas do dia-a-dia, como cozinhar, lavar os pratos e pescar. As crianças brincando nos canais entre a paisagem e a simplicidade, fazendo harmonia com a natureza. Para os ocidentais, uma vida simples, nada sofisticada, mas para eles uma vida repleta e bem saudável!
O passeio nos levava a tomar café da manhã e almoçar na casa de locais. Fomos recebidos por uma garotinha chamada Sandra, de 14 anos que ajuda os pais. Ela era incrível, super simpática, sabia a capital de muitos países e dizia que se não soubesse a capital de algum lugar era porque não havia recebido nenhum turista de lá. Ela fez brincadeiras e tinha um sorriso encantador.
Para comer serviram Thali, uma comida indiana (que combina um tipo de pão, arroz e vários tipos de acompanhamentos como vegetais, lentilhas, e molho de iogurte) e como bebida água morna com sabor de flor.
Nosso passeio estava chegando ao final, e já tínhamos que preparar nosso próximo destino, mas no final decidimos passar uma noite mais naquela pousada onde nos sentíamos bem recebidas por pessoas queridas.
Ao retornar para a pousada ouvimos os cânticos em um templo e resolvemos caminhar até lá para assistir o ritual chamado Puja ou Pooja (é um ritual religioso realizado pelos hindus como forma de oferecer símbolos de gratidão – água, luz, incensos, frutas e flores – às divindades num simples culto religioso).
No dia seguinte nos convidaram para almoçar no templo, já que duas vezes na semana os templos servem comidas. Fomos mais cedo para conversar com os hinduistas e assistir as mulheres preparando os pratos, tudo feito com muito carinho. O modo de preparo é bem rústico, com panelas de barro e fogão à lenha para cozinhar.
Zafina, a dona da pousada, adorava ficar por perto, compartilhar suas histórias, mostrar fotos e falar sobre sua família. Na nossa última noite, estávamos todas sentadas numa rede falando sobre casamento, celebrações e religião. A família dela toda é mulçumana, mas não segue todos os ritos e tradições da religião. Como ela já se casou, os únicos que frequentam a mesquita são suas crianças.
Ao recordar sobre seu casamento, trouxe seu sari vermelho com 5 metros e meio de pano. Zafina, toda contente, me vestiu com o sari e explicava como as mulheres se vestiam para um casamento e quais acessorios utilizavam. Ela toda feliz com aquela cena, queria que eu fosse caminhar com ela, vestida no seu sari vermelho e brincamos dizendo que tinham que encontrar um noivo indiano. (risos)
sua descrição da estadia de voces e muito oportuna e demonstra o quanto estão aproveitando a viagem.Parabens sonhadoras do bem.Muitos outrps locais ainda a visitarem.